Calvário invisível e transatlântico das mulheres negras
maio 20, 2017 Deixe um comentário
Por Dalila Negreiros* e Juliana Cézar Nunes**
“A trama põe em evidência um conjunto de violências e descasos do sistema de justiça e do sistema prisional com as mulheres. Um tema que ainda encontra dificuldade de acessar o debate social e o cinema. Daí a importância da película estar na faixa CPLP Audiovisual na programação da TV Brasil, com reprise neste sábado (20), às 23h30.”
A prisão como tema é recorrente na cinematografia. Em Hollywood, o fetiche parece ser em torno de fugas homéricas. No Brasil, filmes como Carandiru e “Como dois irmãos” cristalizaram uma imagem desse lugar que a sociedade escolhe não saber sobre. Mas é extremamente raro falar sobre mulheres presas. As histórias são ainda mais cobertas por silêncios e invisibilidade.
“O Calvário de Joceline” é um filme angolano ficcional inspirado em fatos reais e mostra que, entre Angola e Brasil, a estruturação do sistema prisional (mais uma das malditas heranças portuguesas e escravocratas) é bem parecida: permeada por injustiças, silêncios e pela presença de mulheres negras, inclusive grávidas ou no puerpério.
A obra apresenta Joceline, uma jovem com uma carreira de modelo promissora, que é envolvida em uma situação de assédio. O desdobrar da trama a faz encontrar com o General Barbosa, um homem assediador e violento, e Samy, uma mulher lésbica condenada por violência doméstica.
A trama põe em evidência um conjunto de violências e descasos do sistema de justiça e do sistema prisional com as mulheres. Um tema que ainda encontra dificuldade de acessar o debate social e o cinema. Daí a importância da película estar na faixa CPLP Audiovisual na programação da TV Brasil, com reprise neste sábado (20), às 23h30.
O filme tem algumas limitações técnicas, de atuação e na construção da narrativa, mas chama a atenção um maniqueísmo nas personagens e mesmo uma expressão da violência entre pessoas presas como resultado da sua própria natureza e, não, de uma brutalização, que é também institucional e estruturada pelo racismo.
Especificamente sobre estereótipo, ao passo que é importante ter personagens lésbicas em um filme angolano, é também uma pena que seja a personagem menos humana da trama. Essa reificação contribui para a crença de que as mulheres são as responsáveis pelo próprio calvário.
Ainda assim, o filme suscita o interesse pelo livro do escritor angolano Lito Silva, lançado em 2011 e que inspirou a produção. Baseado em fatos reais, o livro e o filme fazem referência ao desabamento de uma unidade prisional feminina mal conservada e superlotada em Luanda.
Outra ponte entre Brasil e Angola, que nos faz refletir sobre a política de encarceramento de pessoas negras como mais uma face perversa e persistente do racismo de Estado. É a ficção nos ajudando a pensar a realidade.
* Dalila Negreiros é geógrafa e ativista do Nosso Coletivo Negro
** Juliana Cézar Nunes é jornalista e integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-DF) e da irmandade Pretas Candangas